Cara Patrícia

Passei pelo seu blog por mero acaso e não pude deixar de lhe dar uma nota.
Afinal, eu sou (era) o Comandante a quem Pedro iria tirar o lugar !
Fui seu formador na preparação para a promoção a bombeiro de 3ª classe e acredite que, assim a vida tivesse deixado, o Pedro era um forte candidato a chegar muito longe na carreira.

Para além de partilhar a certeza da pessoa que o Pedro era/é gostava de lhe dizer que a memória dele vai-me ficar para sempre gravada.
Por múltiplas razões vários foram os Homens que morreram na mesma altura em que eu os comandava. Mas o Pedro foi uma dor excepcional.

Por mero acaso tínhamo-nos encontrado no fim-de-semana anterior ao acidente em Valada. Ele estava com amigos, mas perante a minha necessidade de ajuda numa pequena reparação da minha pequena embarcação à vela, ficou comigo. “Se lhe desse uma boleia para Santarém”…(como se isso estivesse em causa!)
Pelo caminho falámos de coisas banais mas logo ali ficou combinada uma experiência de navegação à vela.

Quando o telefone tocou para me alertar do que tinha acontecido, custou-me a acreditar no que estava a ouvir : “…Vem depressa que o pessoal está destroçado e eu acho que és preciso aqui…”. Ainda protestei, incrédulo : “…mas eu acabei de estar com ele..:”
Mas como sempre que o telefone toca, tal como o do Pedro tocava quando era preciso, a realidade dura e crua, chamava…
Cerca de 20 minutos antes, saudáramo-nos junto ao Hospital Velho, com o Pedro a gritar na janela do carro : “Então, no Sábado vamos dar uma volta à vela ?” – “Como combinado”, respondi eu.

Foi um dos mais desesperantes acidentes de toda a minha vida: Queria pensar e tinha dificuldade; A maioria dos bombeiros estava de rastos e com dificuldade em reagir; Os habituais mirones, sedentos, estavam a postos e protestavam porque nós tínhamos tapado todo o incidente com lonas. A privacidade de e para com um camarada nosso impôs-se nesse dia. Queríamos todos que aquilo não estivesse a acontecer !
E doía-nos a todos. Não consigo deixar de pensar numa expressão que um camarada, que sempre foi muito duro nestas coisas, repetia, num “gesto” de ternura que raramente se lhe via : “Ah, puto, puto !“
Acabámos por ficar 3 que, dolorosamente, nos arrastámos para acabar a nossa missão. Já enviara para o quartel a maioria do pessoal que estava em choque…

Estávamos preocupados com os pais do Pedro e como lhe daríamos a notícia. Só nessa infeliz noite soube quem era o pai do Pedro (que eu conhecia há muito da cidade) e a mãe. Ironias do destino !

O Pedro foi, para mim, uma daquelas raras oportunidades em que cruzamos com um outro ser humano absolutamente excepcional. Era simpático, cordato, disciplinado, empreendedor, gostava de aprender tudo sobre bombeiros e prometia ser um excepcional bombeiro.

Mantenho no meu actual gabinete a fotografia do Pedro. Faz-me pensar nele e na possibilidade de perdermos pessoas excepcionais por razões que jamais compreenderemos.
Pela estima que tinha pelo Pedro, acredito que o desaparecimento dele terá de ter acontecido por uma razão prática e boa para a Humanidade.
Há velas que não se apagam apenas porque o vento passa por elas. O Pedro era desses !

Por último fique a saber o meu sentimento de ambivalência pela entrega do Diploma do Pedro. Raiva por não lho entregar a ele, alegria porque ele o merecia….

Apresente os meus cumprimentos aos seus pais e receba para si e para a família, especialmente para o sobrinho do Pedro, um abraço do

Pedro Carvalho
Inspector de Bombeiros – Açores

PS – Gostaria de realçar que não sou capaz de fazer elogios “fáceis” e costumo ser razoavelmente frio no que toca a emoções (deformação profissional ?).
Durante o desempenho das minhas funções em Santarém dei 2 louvores, apesar de gostar de ver o trabalho bem feito. Mas, talvez pela personalidade do Pedro, ao escrever estas singelas linhas não pude evitar umas quantas lágrimas…

posted by Pedro Carvalho
Inspector de Bombeiros – Açores
ex-Comandante Bombeiros Municipais de Santarém

8 thoughts on “

  1. Pedro,Espero que esteja tudo bem consigo aí nos Açores, pessoal e profissionalmente!Muito obrigada pela sua mensagem, é muito reconfortante.Embora eu tenho dias que a revolta é tão grande que nada me consegue animar. Quando criei este blog, foi com a ideia de ele ser um local onde eu e toda a gente possamos vir sempre que quisermos, deixar uma mensagem, matar saudades… Ultimamente não tenho conseguido escrever, por isso há pouco tempo pus uma fotografia do João Maria, para ver se me dava força para continuar a escrever sobre o Pedro. Tenho tantas fotos em casa, tantas histórias para contar… mas não tenho conseguido escrever. Obrigada e até breve.

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  2. O seu texto transmite muita coisa!As situações que relata consigo facilmente imaginá-las. Imagino o ar de felicidade do meu irmão a falar-lhe do carro para combinar o passeio de barco. Imagino o desespero dos colegas ao chegarem ao local do acidente. Mesmo com toda a Fé que tenho é muita difícil aceitar uma perda assim, deixa uma saudade tremenda.Muito obrigada por ter passado no blog e ter deixado o seu testemuno.até breve

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  3. Já comecei a escrever tanta vez… Apagava sempre o texto… Não perdi nenhum familiar desta forma. Perdi um amigo… É dificil… mas acredito que daqui a uns anos, quando o Joao Maria entender este mundo “internáutico” será um sobrinho orgulhoso e continuará a ser sem duvida, um filho muito amado. Força, coragem e espero que continues a escrever… Beijo grande…e obrigado por me deixares conhecer o Pedro.

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