Vida por viver

Na véspera do meu aniversário de casamento (17 anos no sábado) a minha mãe partilhou uma fotografia minha vestida de noiva, lado a lado com o meu irmão. Rosto com rosto. Pele na pele. Ao rever a fotografia, ainda que no computador, senti uma vontade imediata de lhe querer tocar e o meu instinto levou-me a fazer uma festa no ecrã liso e frio do computador. Estava ali o meu irmão. Naquele dia, feliz por mim e ao meu lado. Mas não estava ali no ecrã liso. E frio.

Várias pessoas comentaram a fotografia. Eu teclei um coração só para garantir que seria notificada de novos comentários. Li sentimentos de nostalgia de dois amigos do Tio Pedro que não conheço e cusquei a vida deles, ou pelo menos aquela que o Facebook me mostrou. Vi sorrisos, filhos, família, enquanto, na minha cabeça, pairava tanta coisa que nunca aconteceu, nem vai acontecer. Vi uma vida toda por viver. Eles, embora sendo da mesma idade, estão mais velhos que o meu irmão (pois claro… já passaram 13 anos desde que faleceu). Para mim, para nós, o meu irmão está sempre igual. Ali ao meu lado na fotografia. Aqui no ecrã frio do computador. Eles não. Eles têm uma vida toda a acontecer. Aqui. Fora do ecrã. Fora do que eu consegui ver através das redes sociais. … para nós ele fica sempre igual, mas os amigos estão a viver fora do ecrã do computador. Vivem, envelhecem, casam, têm filhos e tiram fotografias. Muitas, mais e mais fotografias que me mostraram ao pormenor tudo o que meu irmão não viveu. Tudo o que eu não presenciei mas que tantas vezes já fantasiei.

A nossa dor sabe ser egoísta. Eu sou egoísta na minha dor. Muito. A seguir ao acidente do meu irmão desejei durante algum tempo que a Tia Té estivesse grávida. Durante até mais tempo que aquele que seria hipoteticamente possível. Eu só pensava em mim e numa forma de poder ficar com uma recordação viva do meu irmão para sempre. Disparatado este desejo desconcertado?

Disparate é não querer. Disparate é não saber querer, não saber viver, não viver. É por isso que eu conto o tempo na soma que é a vida, onde todos os minutos contam. E se contam. E eu conto viver assim. A conta-los e a somar a vontade de os merecer e de os saber querer viver. Mesmo quando choro, cada lágrima conta. Quanto é que se pode chorar a saudade? Até quando? Não sei. As lágrimas inundam uma dor que não se deixa afogar e que o tempo não quer apagar. E eu também não. Mas sei de cor que a saudade se pode molhar. E lavar. Sacudir, estender, secar, dobrar, guardar. Repetir e voltar a usar.

Foto PINTEREST

3 thoughts on “Vida por viver

  1. Beijinho directo ao teu coração, querida Patrícia.
    Infelizmente conheço essa dor, essa mágoa de não vermos o nosso irmão /irmã envelhecer…
    Resta-nos as fotografias e as recordações …
    Xi-coração apertadinho

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