Nas escolhas das minhas gavetas (e não só)

Adoro arrumar gavetas, roupas e roupeiros no geral. Funciona como uma terapia anti-stress e tem a vantagem de ser muito mais barato que uma massagem relaxante. A minha mãe que é a minha maior fã e a primeira a ler os meus posts, está neste momento incrédula a olhar para o ecrã do telemóvel. “Esta miúda é bipolar, só pode. É bipolar e deixa-me cheia de remorsos por não ter percebido isso antes. Ainda em criança trocava de hobbies e de amores perfeitos com uma facilidade que só a ela fazia sentido, e eu nunca dei a verdadeira importância ao assunto. Adora arrumar gavetas? Roupas e roupeiros no geral? Então porque não o faz com mais frequência?”. Bem, o facto de eu adorar não significa que tenha oportunidade de o fazer com a regularidade que eu gostaria, porque na verdade existe uma série de outras coisas que eu adoro muito mais e que me ocupam quase todo o meu tempo disponível. Gosto de o fazer sozinha. Sozinha e com calma. Com tempo e várias paragens, enquanto dou comigo a pensar em todas as semelhanças que as escolhas nas gavetas têm com as que vamos fazendo no nosso dia-a -dia, sobretudo nas pessoas que escolhemos para estarem ao nosso lado.

Esta saia já não me serve, acho até que nunca me serviu. Tenho de perder a mania de comprar sem experimentar, vou dá-la a quem a use, talvez a uma menina de 10 ou 11 anos, que não seja muito alta e que não pese mais de 35 kg. Estas calças já não se usam, mas a Fernanda talvez lhe dê um jeito de costura e as altere a seu gosto. Três Verões passados e nem uma vez calcei estas sandálias? Estão velhas, gastas e têm o salto torto. Estas vão direitinhas para o caixote do lixo. Lixo!

Olha só este vestido preto tão bonito e elegante. Gosto tanto dele e usei-o tão poucas vezes. Há quanto estará escondido atrás deste casaco velho e largo cheio de pelo e borboto? De repente veio-me à memória onde o comprei, com quem estava e onde o usei, quase sinto o cheiro dos lugares onde o desfilei a primeira vez. Fico parada a olhar e a tocar no vestido enquanto me lembro de amigas que não vejo há muito tempo e pergunto-me se também elas estarão escondidas atrás de pessoas que vejo quase diariamente e que não acrescentam nada ao meu dia. Lembro-me das minhas vizinhas, das ex-colegas de escola e de trabalho, das dos trabalhos de Verão e das das férias de Verão. A vida separou-nos em distância mas não nas memórias que guardamos dos tempos em que não passávamos um dia sem uma gargalhada juntas. Lá por não nos cruzarmos diariamente sem encontro marcado não significa que não possa agora ligar-lhes a marcar o reencontro. Podem já não viver no outro lado da estrada, nem no mesmo apartamento que eu, podem não estar sentadas na secretária ao lado da minha nem no recreio à minha espera, mas não estarão com certeza muito diferentes da altura em que nos conhecemos.

Ai este top! Está tão enrolado e amarrotado por estar na gaveta debaixo das t-shirts do desporto (qual desporto? eu? são mais t-shirts que uso para dormir quando me apetece algo largo e confortável). Namorei-o na montra e comprei-o no imediato. Foi amor à primeira vista. Fui tão feliz com esse top. Feliz e bronzeada com um top que me ficava realmente bem. A minha amiga Márcia identificou-me ontem numa publicação que dizia “amizade à primeira vista acontece sim”. Acontece sim. Não sei se acontece só porque sim, prefiro acreditar numa versão minha, que gostei do que vi ou ouvi daquela pessoa a primeira vez e tomei a decisão de querer ser amiga dela, ainda que se trate de uma decisão quase involuntária. A partir daí todas as minhas energias se movimentam nessa direcção e começam assim a construir-se os laços de uma amizade. Se basta uma das duas pessoas querer? Não sei, neste caso quisemos as duas.

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Foto da Revista Casa e Jardim

Quanto à gaveta da roupa interior, cuecas, meias, acessórios (e aqui entende-se por acessórios os cintos, as alças de soutien e fitas do cabelo) é só mesmo dobrar e guardar. Não arrumo por cores, nem por tamanhos e nem me vem à ideia nenhuma lembrança ou comparação entre esta gaveta e algum momento da minha vida, pelo menos que valha a pena ser partilhado aqui.

E a gaveta das tralhas? Ui a gaveta das tralhas. Pilhas usadas e por usar, chaves, cartões e afins. São gavetas que normalmente estão na cozinha ou num móvel de entrada. No meu caso tenho duas gavetas de tralhas e as duas estão na cozinha. Será que preciso mesmo de guardar aquilo tudo? Pilhas que acabaram e que nunca cheguei a levar para a reciclagem, chaves pequenas de cadeados que já não existem e cartões de restaurantes que nem me lembro onde ficam. Se guardar apenas o essencial mais facilmente vou encontrar o que realmente preciso. Talvez venha a recuperar o cartão de um restaurante que fui na Costa Vicentina e não me consigo lembrar do nome.

O mesmo acontece com o ruído à nossa volta. Será mesmo necessário preocuparmo-nos com murmurinhos e pormenores da vida dos outros? Ou mesmo murmurinhos e pormenores da nossa vida mas ditos por outros que não nos são nada nem pretendemos que o venham a ser? Se perdermos demasiado tempo com o que não nos interessa como vamos ter tempo para fazermos o que realmente nos faz feliz? Talvez este verão fuja uma noite da confusão de Portimão e procure com tempo o tal restaurante da Costa Vicentina que ficou tão presente na minha memória mas que não consigo reproduzir o nome.

Nestes tempos em que o tempo é curto, é tempo de reorganizar. Limpar, dar a quem use ou até mesmo descartar. Arranjar espaço para novas peças e cuidar das preferidas. Desacelerar e às vezes parar. Fazer por ter tempo para estar com quem nos faz mais feliz, cortar com quem não nos quer bem, passar por cima do que não interessa e deixar espaço (sempre) para o amor entrar.

O vestido preto vai continuar pendurado com a promessa de que vai ser usado em breve. Às amigas de uma vida e para a vida fica a promessa de um reencontro, e a certeza que um dia quando tiver mais tempo é com elas que vou querer passar grande parte dele.

4 thoughts on “Nas escolhas das minhas gavetas (e não só)

  1. Parabéns Patricia. Adoro teus posts, são realmente interessantes, chegando por vezes a identificar -me com situações que relatas. Tudo de bom ! 3 rapazes ? ui, isso é dose. Eu tenho 1 , e já dá cabo da mioleira. E ainda por cima nesta idade de 13 anos. No nosso tempo não eramos assim ,pois não? Talvez quando chegamos á UAL . Ai tanta maluqueira. Bjocas

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    1. Olá Sissi! Como é que tu estás? O meu mais velho tem 12 anos! Grande beijinho para ti, soube-me muito bem ver-te por aqui. Tudo de bom!

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  2. Obrigada P! Ja te disse que sou tua fã? Acho q sim! Pelo menos 1 duzia de vezes!
    Obrigada por esta partilha maravilhosa! Tb eu ando a “arrumar gavetas”. ❤️

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