Podem os intervalos ser a melhor parte?

Há quem utilize muito a expressão “a minha vida dava um filme”. Pois eu tenho muitas vezes a estranha sensação que vivo sobretudo nos intervalos.

Acordo cedo [07:00 é cedo ou não? às 07:07 toca o despertador mas só me consigo levantar 10 a 17 minutos depois]. É cedo para quem entra às 09:00 e mora a 12 minutos do trabalho (sortuda sim, mas também fiz por isso). É tarde para quem tem três crianças para despachar, uma a entrar às 08:30 e duas a entrar às 09:00. Começo quase sempre o dia da pior maneira. Irritada e a correr. Engulo as minhas torradas à pressa enquanto seco o cabelo no intervalo entre o pequeno-almoço que lhes preparei e a escolha da roupa para vestirem. Tenho a sorte de não reclamarem (muito) com a roupa que lhes escolho. Eu sei, devia deixar tudo preparado à noite mas a verdade é que raramente me apetece fazê-lo. Há dias que não tenho esse intervalo porque eles decidiram não se vestir sozinhos e eu à força sou obrigada a decidir não engolir as minhas torradas e não secar o meu cabelo. E se ele fica bonito, com a humidade que já se sente de manhã e sem por a vista em cima do secador.

No intervalo da hora de almoço, num horário mais ou menos rígido de uma pausa de uma hora, que eu muitas vezes estico (só mais 10 minutos e nunca é propositado, acontecem-me com elevada frequência imprevistos), marco regularmente almoços com amigas. Em grande parte desses almoços a conversa é interrompida por um aceno meu apressado “traga-me por favor um café sem princípio, a conta e o multibanco, mas tudo ao mesmo tempo porque eu já estou atrasada”. E saio de corrida, e quando digo corrida, é mesmo a correr em pequenos passos até ao carro, sempre com a sensação que me apetecia parar na conversa só um bocadinho. Quando vou almoçar a casa, muitas vezes aproveito o intervalo para dobrar meias ou para libertar do cabide do quarto as roupas usadas durante a semana.

Ao final do dia, no intervalo dos treinos dos mais velhos, entre o levar e buscar, vou ao supermercado, compro presentes para as festas de aniversário do fim-de-semana e com um bocadinho de sorte, às vezes ainda dá terminar a conversa que deixei a meio na mesa do almoço. Nos intervalos dos sinais vermelhos do semáforo aproveito para escrever pequenos textos como este. Este foi quase todo escrito na sexta-feira passada, num intervalo da minha tarefa de final de dia de mãe/taxista/transportadora de mochilas e pequenos sacos de papel com roupas e afins esquecidos dos amigos lá em casa.

Nos intervalos entre os banhos e os jantares, de computador aberto na cozinha, tento escrever neste blog pelo menos um texto por semana ao mesmo tempo que vasculho nos arquivos das imagens à procura de fotografias giras que acompanhem os textos (ando cá desconfiada que 99% das pessoas que têm blogs, têm também um fotografo, um cabeleireiro e um maquilhador que as acompanha em variadíssimas tarefas simples do dia só com o objectivo de conseguir muitas fotografias boas e giras).

Com um filho quase a entrar na idade da adolescência já com jantares de aniversário à sexta-feira à noite – sim! tem apenas 12 anos e já tem mais jantares combinados com os amigos do que eu – eu e o pai aproveitamos e marcamos encontro com os nossos nos intervalos de o ir por e buscar. Quase sempre o nosso jantar acaba antes do dele e depois da espera pela meia noite e meia (ainda não deixamos passar dessa hora) é hora de regressar a casa e deixar correr a bobine do filme, já quase em modo automático, de abrir camas, por a fazer xixi, implorar para que lavem os dentes e dar o abraço e beijinho de boa noite.

Tenho dias que não vou à sala, e não é que esteja longe, está logo ali ao lado da cozinha, até a consigo ver se me aproximar do frigorífico. Tenho dias que não me sento no meu sofá, e nos que sento, depois de sacudir os restos das bolachas (não consigo que os meus filhos não comam na sala), puxo da manta, aconchego-me e adormeço ao primeiro intervalo do filme que ando há semanas para ver. Aproveito bem o intervalo com a certeza que não vai demorar muito até outro filme estar prestes a iniciar sessão.

E não é que os intervalos se tornaram na melhor parte?

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[lá fui eu ao arquivo à procura de uma foto gira e não é que encontrei? aqui estava a fazer um belo intervalo]

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