Só quem tem tomates entende o meu desabafo 

O pai é agricultor e hoje faz anos. O meu marido e o meu namorado também.

Eu hoje não estou a trabalhar mas o pai até se riu quando ontem à noite lhe perguntei se podíamos passar o dia juntos. “Talvez dê para almoçar”.

Talvez é bom.

A fiambreira já está embrulhada na mala do carro. Não entendo como é que uma loja vende coisas maiores que as folhas de papel que disponibiliza, perdi de vista o Zé Maria e o Kiki três vezes enquanto ginasticava com as folhas de papel à volta da fiambreira. Comprei uma grande, para o pai poder cortar lá tudo e mais alguma coisa. Valha-me o João Maria, que além de ajudar a tomar conta dos irmãos que fugiram pelas escadas rolantes do Continente em sentido contrário (acho até que deu uma palmada a um) ainda carregou sozinho a fiambreira para a mala do carro.

“Oh mãe, o pai ofereceu-lhe um telefone no seu aniversário (andamos muito românticos cá por casa, ou isso ou a aproveitar os pontos do catálogo da BAYER) e a mãe vai-lhe oferecer uma fiambreira?”. Parece-me bastante justo. A mãe queria e precisava de um telemóvel. O pai queria e precisava de uma fiambreira. Ainda não a recebeu, mas reconheceu o papel de embrulho na mala do carro (é que a fiambreira é mesmo grande e a chapeleira não deu para esconder o embrulho) da mesma loja de onde veio o meu presente de aniversário, mas pelo tamanho da caixa, o pai desconfia que não é nenhum telemóvel. Para que não restassem dúvidas em dia de véspera de aniversário, o Zé Maria antes de jantar contou ao pai: “Pai, a mãe vai-te oferecer uma fiambreira”. Amanhã compro outro presente. Não quero que os miúdos fiquem traumatizados com o casamento nem com os presentes que se oferecem quando duas pessoas dividem a mesma cozinha.

O pai é agricultor e cultiva couveS, aboboraS, e tomatE. E eu demorei a aprender que embora o pai produza muitos tomates, esta cultura fala-se sempre no singular. “Zinho, como está a correr o dia? já semeaste os tomates?” “Já plantei Jinha! Eu não semeio tomatEEEE, eu compro as plantas do tomatEEE e planto-as.” Complicada esta linguagem dos agricultores, até para perguntar como correu o dia é preciso ter andado na Paiã para se acertar à primeira! Singular, plural, semear, plantar? Agora já não me engano (muito) mas no primeiro ano de namoro, depois de desligar a chamada com o meu namorado, contei ao meu grupo de amigos que o Pedro estava chateado porque tinha os tomates debaixo de água. Passados quase 20 anos desse episódio (“olha lá, já se passaram alguns anos, nem sequer vinhas nos meus planos, saíste-me a sorte grande) de vez em quando ainda me perguntam como estão os tomates do meu marido.

O pai é agricultor e cultiva couveS, aboboraS, e tomatE. Também cultiva milho (afinal há outra cultura que se pronuncia no singular, mas já as maçarocas é no plural), mas é sobretudo com o tomatE este meu desabafo.

A ti tomatE eu gostaria de pedir, e se é para pedir, posso pedir o que me apetecer, que com a tua generosidade, e depois de pagas as contas, nos oferecesses pelo menos o mesmo dos anos passados. Mas tomatE, se sobrasse para umas férias de inverno para 2 (ou para 5 mas agora com a memória deles a correr em sentido contrário nas escadas rolantes só me apetece pedir para 2), seria quase capaz de te perdoar o despertador diário às 06:00, a falta que o colo do pai nos faz, o lugar livre ao pequeno almoço, os jantares sempre depois das 21H00  e até as nódoas das calças de ganga. OK, as nódoas não sou eu que as tiro mas reconheço que o tomatE é menino que suja muita roupa e muito. Acho até que essas merecidas férias de inverno (na praia num país onde seja verão, a 2 ou a 5, mas acho mesmo que me apetecia a 2, daquelas com pulseirinha e bebidas enfeitadas com chapéus de papel) me fariam perdoar por todas as vezes que me apeteceu tomatada, salada de tomate ou outra coisa qualquer com tomatE e abro o frigorífico de casa em agosto e não encontro nem um.

Também sei que antes de te pedir, devo agradecer-te pelo ténis novos todos os meses (sim, cada par não dura mais de 3 meses, logo em média compro uns por mês), as portagens para o Baleal ao domingo, as saladas no bar do Bruno, os passeios em Lisboa no inverno, as sextas-feira à tarde no tasca, o sushi e as pizzas do Kook, a picanha do Micas, as fichas de carros de choque na Feira da Agricultura, os petiscos na Feira da Gastronomia, os toldos da D Zezinha no Vau e as bolas de Berlim da Laidinha.

Obrigada ♥.

O pai hoje faz anos. O meu marido e o meu namorado também. A ti tomatE eu hoje peço apenas aquilo que é meu, nosso. Peço-te que lá mais para o verão nos devolvas o pai exactamente como nós to emprestámos, que me entregues em casa o meu marido para o pé de mim e o pai dos meus filhos para junto de nós.

Obrigada♥.

P.S. Parabéns MEU AMOR e já sabes, a partir de agora é sempre a cortar fininho.

Outro P.S. (eu que não escrevia um PS há nos) Toma bem conta das plantas do tomatE. Já imaginaste nós 2? inverno cá e nós num resort do outro lado do mundo? ou nós os 2 e eles 3? Se calhar no resort nem há escadas rolantes…

sessao-patricia-pedro-044

6 thoughts on “Só quem tem tomates entende o meu desabafo 

  1. Que delícia de texto, também me identifiquei…vim parar a uma família de agricultores onde não há férias e fins de semana com os homens da casa…sonho com pulseirinhas e resorts e falta-me o mestrado para as perguntas técnicas do dia a dia…
    Parabéns ao homem dos tomates.

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